quarta-feira, 19 de maio de 2010

Princípio do dia - Rui Knopfli

Rompe-me o sono um latir de cães

na madrugada. Acordo na antemanhã

de gritos desconexos e sacudo

de mim os restos da noite

e a cinza dos cigarros fumados

na véspera.

Digo adeus à noite sem saudade,

digo bom-dia ao novo dia.

Na mesa o retrato ganha contorno,

digo-lhe bom-dia

e sei que intimamente ele responde.



Saio para a rua

e vou dizendo bom-dia em surdina

às coisas e pessoas por que passo.



No escritório digo bom-dia.

Dizem-me bom-dia como quem fecha

uma janela sobre o nevoeiro,

palavras ditas com a epiderme,

som dissonante, opaco, pesado muro

entre o sentir e o falar.



E bom dia já não é mais a ponte

que eu experimentei levantar.

Calado,

sento-me à secretária, soturno, desencantado.



(Amanhã volto a experimentar).

RUI KNOPFLI

(1932-1997)


Rui Knopfli
Nasceu em Inhambane, Moçambique. Poeta. Jornalista. Sua estréia deu-se com o livro O País dos Outros (1959). . Lançou, com João Pedro Grabato Dias, os cadernos de poesia Caliban (1971-72), Trabalhou como adido de imprensa, na delegação portuguesa à Assembleia-Geral das Nações Unidas, em Nova Iorque (1974) onde participa dos trabalhos da Comissão de Descolonização. Publicou Memória Consentida (1982) e em 1984 recebeu o prêmio de poesia do PEN Clube.
fonte: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_africana/mocambique/rui_kinopfli.html

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu li este poema numa apresentaçao e adorei le-lo!