sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Cultura periférica e intercâmbio

“Não vejo nada. Não vejo fita dominada. Só vejo os pretos sempre triste pelos cantos do mundão”
Mano Brown

Sim! O rap, o samba, o forró que vem de longe, a saudade de Milagres e de todas as cidades “lá de riba” – direto para o coração das periferias paulistanas; dos grupos culturais à solidão de escritores e escritoras, a Periferia cria.
O break, o grafite, o som de rua, a poesia e as crônicas do cotidiano, tudo é arte que entope os becos, lambe os muros e arregala os olhos dos de longe.
Que temos artistas, é fato. Mas, na sexta, segure o seu gato que churrasco está comendo solto!

Churrasco de gato, cheirando gostoso em cada esquina é, sem dúvida, uma das marcas da chamada “cultura de periferia”. Como é parte dela, também, temer a polícia, trabalhar todos os dias e tirar leite de pedra – a nossa ilustre vaquinha.
Porque “Cultura” também é sinônimo de “costumes”, não é só o que está no museu, ou inacessível a quem não pode pagar, nas casas de show, cinemas e bibliotecas distantes. E como arte ou costume, a cultura nossa de cada dia nasce da necessidade: nós temos o som de rua, o forró, o baile funk, a poesia e os muros. Não temos cinemas, teatros, violinos, opções do melhor prato. Já não temos capoeira, pois nos foi “expropriada”. Vazou pras academias.
E academia não é coisa de pobre.

Nossa marca registrada é a criatividade. Mastigamos nossos poemas, construímos nossas almas e o arroz e feijão para o corpo tem de ser muito gostoso. É O Prato.
Recriar é a arma do pobre, mas nós temos muitas outras.
Daí que intercâmbio cultural com a periferia (e não entre periferias) seja um engodo: os de lá comem o filé e querem nos devolver o osso, enquanto fazem discurso sobre as “trocas culturais”.
O que outras classes tentam fazer conosco é se infiltrar em nosso mundo, conhecer nossos segredos, nossos tesouros, roubar nossas qualidades e depois voltar pra casa, bem longe do barulho do tiro e do aroma de esgoto.
Intercâmbio cultural é mentira, exceto quando falamos em troca dentro de uma mesma classe social, como é o caso do acesso irrestrito às novidades do funk mais proibido, ao último CD do Calypso ou aos grafites no muro.

A elite quer circular nas favelas, fazer “turismo social”, fazer de nós o sonhado zoológico. Mas se é verdade que eles freqüentam nossos bailes, nossos saraus, nossos sambas de laje, não é verdade que freqüentamos, em troca, os seus múltiplos espaços. Nós não conhecemos suas casas, exceto pela novela e pelos empregos domésticos. Eles provaram feijoada e nós nem passamos da sardinha. O que será caviar? Eles têm acesso aos pandeiros e o piano, para nós, é quase um mito.
Portanto, o que existe não é troca, é roubo, e intercâmbio cultural é só mais uma mentira, tentativa de nos distrair. Engodo.

No Bristol, o gueto é o gueto, até que a história seja outra.

Nenhum comentário: