No dia 14/05/2006, dia das mães, em meio ao caos que se instalou em São Paulo, nós aqui do Parque Bristol assistimos, espantados e tristes, a morte de Fabrício de Lima Andrade, de 18 anos, Edivaldo Soares Andrade, de 24 anos, Israel Alves de Souza, de 25 anos, e, em 05/12 do mesmo ano, a morte do único sobrevivente desta chacina aqui no Bristol: o nosso saudoso, guerreiro e querido Fernando Elza, o Malote, então com 22 anos.
Para que não esqueçamos, nunca jamais, republico alguns poemas e estas poucas linhas que não traduzem a saudade, a tristeza e a nossa indignação com o Estado podre.
Esta guerra tem nos deixado marcas que nunca nunca se apagam.
Notícia de Israel
(Panfleto contra todos os homens-blindados-que-cagam-ouro-na-minha-fome-e-na-fome-da-minha-família)
I
Anteontem, em algum lugar do passado, eu via uns rapazes negros, bonitos, pintas de rappers ( entretanto dançavam as danças de roda). Tão iguais e tão diferentes dos que ontem morreram nas mãos da polícia. Dos que ontem mataram "os polícia".
Era dia das mães e os tiros entraram nos meus ouvidos ao mesmo tempo em que imagens da gente toda que eu conheço e confio me passava pelos olhos
e rezas – mais com o corpo que com a lógica – me pesavam por cada um deles. Desordenadamente.
Mas, ai, esqueci de alguns!!!
e três mães acordaram sem filhos.
nem dormiram – o que diz mais.
E eu não ouvi notícia em nenhum telejornal.
Em casa, a recomendação: Dinha, não sai de casa, nem volta de madrugada que a polícia ta matando todo mundo.
II
Quem começou essa briga?
Quem está brigando com quem?
"Quem é marginal?
Quem é a lei?".
Polícia contra bandido?
Ou fardados contra sem farda? Como o jogo de "solteiro e casado", no primeiro dia do ano?
Bandido contra bandido.
Israel no meio, às 11.20 da noite, voltando pra casa da mãe.
Explorado contra explorado.
III
Me mandem matar a polícia!
Eu vou, se isso trouxer
Israel,
Sandro,
Aristides,
Luciano,
Márcio,
Cometa,
Buiú
(toda a família de Elisângela)
Edmarcos e
Hilário
(toda os mortos dos CEDECAS)
de volta.
Me mandem matar os bandidos!
Eu vou, se me deixarem
Matar todos os homens-blindados-que-cagam-ouro-na-minha-fome-e-na-fome-da-minha-família.
Eu mataria capitães do mato
Se eles não fossem de fato
Tão vítimas como são vítimas:
Os policiais fardados,
Os meninos sem camisa,
A mulher de volta pra casa,
Israel, no colo da mãe.
O fuzil de minha palavra
Precisa estar voltado
Pra verdadeira revolução.
15/05/06
Cemitérios Gerais
O nosso tesouro
enterramos
em vilas e jardins.
Três anos depois, o Cachorro
cavuca
o osso
termina de nos roubar.
Outra família enterra
seu ouro
no mesmo
lugar.
CALIBRE 200
"O guerrilheiro é terra móvel
Decisão de liberdade
Na pátria raivosamente escrava"
(Costa Andrade)
Fernando Maloterson (alto!) lidera a lista dos cem.
(Se não qual o outro sentido do pássaro estúpido tomar o teu corpo te por tão no ar?)
Fernando Maloterson (alto!) comanda a lista dos cem.
Bem lá no finzinho, Aristides - o que sonhava ser padre – recepciona os chegantes.
Meninos de exército
novo
assumindo posições.
Por baixo, prossegue essa vida.
Cotidiano instinto de proteção.
Nova milícia
Velha carícia:
a liberdade inscrita
brilhando fria nas mãos.
14/09/07
Ao Mais-Novo caído
Asseguro.
Com certeza pensou no filho.
no menino que seria
o dos teus olhos
pra sempre.
tua mãe também
quando ouviu teu nome
e tiros
pensou no menino dos olhos
dela.
com certeza
lembrou do batismo
bebê no colinho
abandonando, desde cedo,
o pai.
Asseguro.
Pensou na vida
inteira
pela frente
que era sua e queríamos
que vivesse
pensou, talvez, em mim
eu que sangro todo dia
sua vida e sua história
e que endereço a você
meus versos de guerra e de glória
e divido com meus anjos
essa responsabilidade:
garantir tua existência
avançar em tua idade
roubada
até que se prove
o contrário
e você possa
descansar
em paz.
2 comentários:
Muito bem lembrado.
Importantissimo este resgate dos poemas dedicados as vitimas e vitimados em Maio 2006.
Me emociono...
Paz
Ótimo e é bom que isso se repercuti como uma homenagem, aqueles que nem justiça tiveram...
Paz
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