"Eu só tenho os pés no caminho
e o amor
Pra não calar."
I
Eu cantava com um corte na alma
E os metros de mágoa
Tingindo o chão.
Eu falava com um corte na língua
E a orelha aflita
Fugindo do mar.
Eu trazia a poeira invencível
Dos mortos antigos
Insistindo em viver.
Nas dobras do ritmo
Trazia
O corte
no umbigo
E o des-crer.
ii
caindo aos pedaços como um pesadelo – jeito de sofrer eu encontrei. Guarda-chuva, código de barra – letra furada, bomba de gás lacrimolágrima.
Era um jeito de acontecer.
Cuidar de mim – cuidar di me
Chamar o pó de pedro,
O nó com jeito
De tragédia antiga.
O modelo de corpo mais novo
Veio com um corte na língua
E o fim da linha:
A rua esperando a menina
Morrer.
Poesia de castas e mágicas
Notícias do lado de dentro.
Corpo caindo de lado
Duzentos mil tiros no peito.
Partido político de um lado
E o orgasmo inteiro do outro.
Precipício anunciado
Na laje do desespero.
iii
se eu fosse Deus não sofria.
Criava um céu pra ficar.
Plantava espigas de milho
Depois eu botava pra assar.
Se eu fosse Deus não chorava
Nem nunca pedia perdão.
Botava as crianças na terra,
Dava pai, dava mão.
Não tenho mais jeito pra nada.
Não tenho mais rua pra andar.
Eu só tenho os pés no caminho
e o amor
Pra não calar.
iv
Um dia eu estava cega.
Passei a vida vendendo
Palavras
no metrô.
Outro dia fui menina,
Atravessei a neblina
E desemboquei no mar.
Já fui louca de esquina,
Moleque de arma na mão.
Já fui vendedor de fruta
(ó o rapa!)
Rainha, nunca fui não.
Já fui de diversos caminhos.
Saída, nunca vi não.
Fui chave de fenda perdida.
Rainha, nunca fui não.
Fui mesa de bar e chinelos.
Silêncio na boca pequena.
Fui merda de gato e despacho.
Fui tiro, fui faca, hiena,
Sereia sem rabo, colchão
levado na correnteza.
Fui dona de tanto esculacho,
Fui boi derrubado no laço,
Rainha, nunca fui não.
Um comentário:
Que bom que voltou a postar suas poesias.
sentimos muito a falta delas.
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