terça-feira, 15 de janeiro de 2008

CACHORRO GRANDE EM...

Notícias Populares - A miséria produzindo riqueza
ou: Capitalismo

Notícia é uma fita que corre de boca em ouvido. Ouvido em boca.
Popular é um fato que é do povão.
Então notícia popular é notícia sobre a vida do povão.
Quem tem mais de 28 lembra. Teve um jornal em São Paulo que chamava-se exatamente assim: Noticias Populares.
Tal jornal tratava de tudo o que era notícia ruim que acontecia nos bairros mais pobres. Não tinha a intenção de produzir auto-estima e por isso deixava envergonhados os moradores ao apresentar seus fatos e sua fotos (caguetagem).
Seus repórteres aliavam-se a pessoas da periferia que dispunham de certo acesso e lhes informavam sempre que um fato horrendo acontecia.
Aí ele chegavam, munidos de câmeras e máquinas incomuns que só eles sabiam operar, documentavam e, no outro dia, batata, tava lá nossa história no jornal, bem modificada. Com coisas que não falamos e que não aconteceram e tal.
Histórias de adolescentes comandando as quebradas. histórias de vapor recebendo mais de 3 mil por mês, histórias de criminosos revolucionários. Puro olhar externo.
O Noticias Populares só percebia os acontecimentos mais tristes das periferias e por isso produzia em seus moradores uma vontade muito grande de sair dali, não criar seus filhos. Passar para a outra classe.
Não alimentava a vontade de ver aquele lugar mais organizado e forte. Tão forte a ponto de botar ainda mais medo nos ricos.
O finado jornalzinho não percebia, por exemplo, a forma comunitária e solidária que a gente inventou pra se proteger da polícia, dos políticos e dos professores. A forma ecumênica que a gente organiza igreja por igreja na mesma rua, ou o nosso jeito empreendedor de tirar leite, carne, ovos e verduras de pedra. Ou, ainda, a nossa coleção de leões mortos dia após dia.
Quando as noticias não eram tristes o bastante o jornal inventava. O NP inventou o Chupa Cabra e o Bebê Monstro. Inventou também que a gente não prestava.
Essa é lógica desse tal de capitalismo: A miséria tem de ser explorada amplamente. No momento não mais pelo NP, que não existe mais, mas por escritores e fotógrafos que vivem de contar e mostrar nossas histórias tristes. Mudam um nome aqui, botam uma ficção ali, disfarçam com poesia acolá. Mas nós sabemos. São as nossas histórias. Histórias que são colhidas quando esses escritores-repórteres visitam uma favela a convite de um morador e vai munido de filmadoras, máquinas fotográficas, papel, caneta e uma disposição amável com as crianças e velhinhos.
O que eles querem é entrar num dos espaços mais sagrados: Nossa casa.
Gil Gomes morreria de inveja das estratégias que esses filhos da classe média utilizam para pisar nas favelas da cidade.
Morar lá eles num quer não. Só se for em uma das melhores casas do lugar. Barraco de madeira, nem pensar.
Por isso sugiro duas coisas: Aos escritores sugiro que experimentem fotografar em Moema ou em Alfavile. Contar suas histórias entregar suas mixas, seus segredos. Pra que desperte no pobre a raiva necessária.
Aos moradores das favelas sugiro que não abram suas casas nem suas vidas aos repórteres e escritores. Sugiro ainda que tomemos a filmadora, o bloquinho de anotações, papel e caneta e transformemos tudo em churrasco.

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