sábado, 11 de agosto de 2007

Entrevista co Gas-Pa R.J

Já não lembro quando conheci o Gas-PA, mas sei que já esbarrei com ele em algumas manifestações que cobri. A última foi em frente à Prefeitura do Rio, ocasião em que ele e seu parceiro Mimil cantaram algumas músicas do primeiro CD do grupo O Levante, intitulado "Temeremos mais a miséria do que a morte", e que dificilmente serão ouvidas nas rádios comerciais.

O que é compreensível. Afinal, esses dois músicos não abrem mão de dizer o que pensam; sentimentos traduzidos em letras de hip hop, veiculadas pelo Coletivo LUTARMADA.

E, como você vai ler na entrevista que segue, eles possuem um grande conhecimento da História do Brasil e uma visão clara a respeito da situação em que o país se encontra. Lembram, por exemplo, que o brasão da Polícia Militar do RJ ainda possui os desenhos de um pé de cana-de-açúcar e um ramo de café, os pilares da economia escravista.

Recordam também o papel da Globo durante a ditadura e afirmam categoricamente que o problema do Brasil não é a pobreza, mas a riqueza concentrada na mão de poucos. Somando isso à forte influência de Bertolt Brecht e Carlos Lamarca, fica evidente que não convém às corporações de mídia divulgar Gas-PA e Mimil.

Entrevista concedida a Marcelo Salles.

Você começa o disco citando uma poesia de Bertolt Brecht. Por quê?
Gas-PA: Foi amor à primeira audição.
Me emocionei muito, porque é assim que me sinto, temendo mais a morte lenta e passiva do que a morte imediata e libertadora.

Na sua opinião, qual a importância da leitura na formação de um país?
Mimil: A leitura é muito importante, pois é com a leitura que se aprende a maioria das coisas e também aprende a ter uma visão mais crítica do que se passa ao seu redor.

Gas-PA: Uma ínfima oligarquia controla os meios de comunicação de massa no país. Nesses meios, ela só veicula o que é do seu interesse. Quem se contrapõe a isso não vai ter espaço nesses grandes veículos. Então, qual a forma de se propagar essas idéias, esse contraponto? A escrita é uma das principais formas. Assim sendo, quem não lê, mas ouve rádio e assiste à TV, só tem acesso a uma visão de mundo, e vai enxergá-lo com os olhos dessa oligarquia. Vai viver como trabalhador e pensar como burguês.

Em todas as músicas fica evidente que você e seu parceiro estudaram bastante a história recente do Brasil. O que foi a ditadura de 64, na sua opinião, e como ela se faz presente nos dias de hoje?
Gas-PA: Foi a forma mais violenta de dominação, desde a escravidão. E hoje ainda sentimos os seus reflexos na truculência da polícia, na tortura substituindo a investigação, na transmissão da Rede Globo de Televisão, na constante ameaça à vida trazida pela Aracruz e, entre outros sintomas, na censura. Algumas pessoas comemoram o fim da censura, mas algumas dessas grandes rádios comerciais ganharam músicas minhas. Liga pra lá e pede pra eles tocarem e fica esperando... Na ditadura, os artistas como Chico Buarque e Gonzaguinha tinham que disfarçar suas músicas pra passar pela censura. Hoje é a censura que se disfarça pra barrar artistas como Gas-PA e Mimil.

Em uma das faixas você cita o capitão Carlos Lamarca, que aderiu à luta armada contra a ditadura. Recentemente, a Comissão de Anistia o promoveu e concedeu à sua família uma pensão. Qual a sua opinião sobre essa medida?
Gas-PA: Em uma, não. Pelo menos quatro. Pode ser que mais tarde eu pense diferente, mas agora acho que isso foi muito bom para seus familiares, e só. Já entrei em sítios na internet que dizem que esse é o país onde os terroristas, ao invés de irem para a cadeia, ganham ministério (referência a José Genoíno, José Dirceu, Dilma Rouseff).
Quem pensa assim, hoje está dizendo que esse é o país onde parentes de marginais são indenizados. Pra mim, mais vale o que fazem alguns movimentos sociais.
Relembrar nossos heróis negligenciados pela história oficial, dando seus nomes a escolas, centros culturais, ocupações urbanas e rurais, por exemplo, é muito mais eficaz no sentido de fazer o nosso povo ter conhecimento da importância dessas personagens e, a partir daí, avaliar suas atitudes e comportamentos no sentido da transformação.

No Rio de Janeiro, como de resto no país, houve o surgimento de várias ONGs que lidam com as questões ligadas às favelas. Como você essa questão?
Gas-PA: Pra mim, grande parte delas só administra a miséria, a carência.

Mimil: Pra mim essas ONGs estão mais preocupadas em fazer o papel do Estado nas comunidades carente do que mostrar para elas que ela tem que cobrar do Estado o que ele deve fazer pelas comunidades.

Em recente entrevista à Revista O Globo, André Skaff, filho do presidente da Fiesp, disse que algumas ONGs são importantíssimas porque aliviam a pressão dentro de favelas e presídios. O que você acha disso?
Gas-PA: Concordo com ele. Só recapitulando: durante a ditadura no Brasil, na Europa existiam governos de tendências socialistas. Esses governos financiavam algumas iniciativas brasileiras de organização popular, também de caráter libertador.
Como sabemos, rolô uma "queda de dominó" por lá, que não deixou de pé nenhum governo de esquerda.
Os seus sucessores até aceitaram continuar financiando esses grupos, porém, sem esse papo de organizar o povo. Se quisessem continuar ganhando dindim da Europa tinha que trocar o caráter políticos dos trabalhos pelo assistencialismo.

Porra! Quem financia esses programas? A Globo? O Consulado dos EUA? A Vale do Rio Doce? Quem recebe essa grana vai contar pros assistidos pelos projetos que a Globo foi fundada fraudulentamente, e que ela apoiou o despotismo civil-militar de 64-85? Vai dizer que todo o que ela fala sobre movimentos sociais é mentira, ou está incompleto e tendencioso? Vai chamar o povo pra refletir e protestar contra a tirania estadunidense empregada no mundo? Vai explicar que a Vale do Rio Doce era patrimônio do povo brasileiro (com ressalvas, eu sei) até 1997 e que foi doada a troco de um valor simbólico, recuperado em poucos meses de operação? Vai chamar essa gente pra participar da campanha pela anulação da privatização da mesma?

Vi, numa entrevista do MV Bill, ele dizer que é "impossível acabar com a pobreza sem o auxílio da riqueza" (!), alguma coisa assim. Quando perguntam se o LUTARMADA é ONG, eu respondo assim: o papel das ONGs é, ao invés de dar o peixe, ensinar a pescar. O papel do LUTARMADA é dizer pro pescador que o rio onde ele joga o anzol e não consegue pegar peixe nenhum foi poluído pela empresa que patrocinou o curso de pescaria. E que ele não sabia disso porque a ONG onde ele aprendeu a pescar silenciou, porque o compromisso dela é com o financiamento e não com a comunidade.

O que é violência policial? Como e onde ela acontece? Por quê?
Gas-PA: A PM do Rio foi fundada em uma época em que se multiplicavam as revoltas escravas.
As fazendas estavam pegando fogo, assim como as plantações. Os fazendeiros estavam morrendo assassinados. O exemplo do Haiti [primeiro país do mundo a se libertar da escravidão através de uma revolta de escravos negros] assombrava os senhores de engenho. O brasão da Polícia Militar tem desenhado um pé de cana e um ramo de café, base da economia escravista.

Todos os telejornais repetiram, na ocasião da implosão do Complexo Penitenciário da Frei Caneca, que o primeiro preso de lá foi um escravo que matou seu dono. A capa da revista época (29 de junho de 2007) trás uma foto que retrata parte do que foi a operação da polícia no Complexo do Alemão, aqui no Rio: corpos de homens pretos espalhados pelo chão. O que eram os quilombos no Brasil escravista? Quais as diferenças deles pras favelas de hoje? Vira e mexe os jornais mostram apreensão de ecstase, feita pela polícia do Rio, na luxuosa Zona Sul. Tudo sem disparar um único tiro e sem toda aquela ostentação comum em operações em favelas. No governo estadual passado, que também era do PMDB, o secretário de Segurança - que por sua vez também era o ´1º Marido´ - vivia dizendo que não admitia manter o Beira-Mar no Estado porque o tráfico é um crime federal.

Então, o que justifica a presença da polícia estadual nas favelas? Onde eu moro tem venda de drogas. Porém, só tem tiros e mortes quando a polícia aparece. Quem quebra o sossego é ela. Hélio Luz, quando era chefe de Polícia, deu o papo: "Temos uma polícia política. Nossa polícia é de repressão". Em 2003, a polícia fluminense matou 1194 pessoas - quase 100 por mês. Quantas delas eram ricas, ou de classe média? Nossa polícia tem um batalhão, o BOPE, e uns carros blindados que só atuam em favelas. E o pior é que esses carros não têm espaço para levar ninguém preso, mas tem orifícios por onde saem "bicos".

Se um carro da polícia sai para uma operação cheio de homem armado, já sabendo que não é pra prender ninguém, então pra que serve esse carro? Essa é a máquina anti-preto, que, de rebarba, ainda pega os brancos que "resolveram se misturar".

No CD você fala em "Bonde da Revolução". Você acredita que só uma revolução resolveria os problemas do país? Essa revolução seria armada?
Gas-PA: Eu não acredito que vamos acabar com a pobreza pedindo ajuda aos ricos. Aliás, o problema do Brasil não é a pobreza. É a riqueza nas mãos de um pouquinho só de gente. E esse grupelho não vai largar o osso na base da conversa.
Então, que cada rebelde se arme com, como digo na música, as armas que sabe usar.

REDE
Nucleo cultural Poder e revolução
Suburbano Convicto
São Paulo (SP)
Posse Nova República - João Pessoa (PB)
Posse Lelo Melodia - Natal (RN)
Posse Enraizados SP - São Paulo (SP)
Núcleo de Hip Hop Mocambo - Rio Branco (AC)
Movimento Hp Hop do Meio Mundo - Macapá (AP)
Maloca Hip Hop - Cuiabá (MT)
Kebra Nagast - Salvador (BH)
Instituto de Pesquisa e Ação Comunitária - IPAC - Braslândia (DF)
Galera de Cristo - Juiz de Fora (MG)
Comunidade Hip Hop do Tocantins - Palmas (TO)
Cia Encena - Nova Iguaçu (RJ)
Cia de Dança Jorge Brown - Coruripe (AL)
Associação Cultural de Hip Hop de Laguna - Florianópolis (SC)

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